CRIANÇA É LUZ... É PAZ...

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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

POESIAS DE LEONEL NEVES



 Leonel Neves










Infância
Em enxerga velha e rota nascido,
Onde também nasceram meus irmãos,
Sobre a cama de lenho carcomido,
Construída com as próprias mãos
De meu pai que desta poda sabia,
Entre quatro paredes toscas,
Telha-vã, soalho de afiadas lascas,
Às vezes com fome e frio adormecia.

No regaço de minha mãe, sentada
No escano, à lareira, aos serões,
À luz baça da candeia pendurada
Na parede e da labareda dos tições,
Ouvia entusiasmado, sedento,
Estórias fantásticas de encantar
Da boca de quem as sabia narrar:
Meu pai, meu herói, meu alento.
Descalço, calças rotas nos joelhos
E no rabo, mais uns amiguinhos,
Aos pinchos pelas sebes e quelhos
Da povoação à procura de ninhos,
Fazendo uma razia a fruta alheia,
Qual bando de pardais famintos
Revoando à volta dos recintos,
Conscientes da próspera tareia.
Outras vezes jogávamos ao pião,
À cabra-cega, ao arco e gancheta,
À bola, com tudo que havia à mão,
Até andar atrás duma borboleta.
Alguns, além da escola não faziam
Mais nadinha a não ser brincar,
Outros tinham tarefas a executar
Outros ainda pela rua iam e vinham.
Toca a levantar seu mandrião,
São horas de ir para a escola,
Toma lá este bocado de pão,
Olha os livros, mete-os na sacola,
Logo que saias da escola vens
Direitinho para casa, ouviste?
Dizia minha mãe com o dedo em riste
Reforçando assim as suas ordens.
Depois da escola não havia diversão,
O colegial dava lugar ao vaqueiro
Que cedo se iniciou na servidão.
Comia à pressa e ia ter ao lameiro
Onde o gado pascia distraidamente,
E por lá ficava até ser noitinha cuidando
Dele, cantarolando e assobiando
E tocando flauta destramente.
Comigo na escola andava uma miúda
Por quem me apaixonei seriamente.
De adolescência precoce era graúda.
Ela sabia e não tinha nada de inocente.
Os seus cabelos são da cor do carvão,
Compridos, sobre as costas ondeantes,
Os olhos como sóis, de marfim os dentes,
Os lábios róseos, os peitos enchiam a mão.
Quase a entrar na puberdade,
A quarta classe feita de fresquinho,
Continuava como até ali sem liberdade
Para vadiar na rua um pouquinho.
Que raiva ver os amigos a brincar
E não poder acompanhá-los!
Sem querer passei a invejá-los,
Inveja que acabou por passar.
Tinha um amigo que me seguia
Para onde quer que fosse, o Dogue,
Que não dormia durante o dia,
Sempre atento este buldogue
Anão às lindas e fofas ovelhinhas,
Farejando em todas as direções,
Acatando as ordens sem objeções,
Indo à procura das reses perdidas.





















Férias na aldeia
Quando a Ana fez dez anos, o avô Simão
Ofereceu-lhe um puro-sangue lusitano.
A partir de então não passou um verão
Sem o seu alazão em solo transmontano.

A Ana gostava que houvesse férias todo ano,
Mas sabia que não podia ser, pois os estudos
Que ela adorava estavam em primeiro plano,
Até podiam não significar nada os canudos.
Quando as férias grandes chegavam,
A Ana pedia ao pai que a levasse à aldeia.
O avô e os amigos, ansiosos, aguardavam
A sua chegada, às vezes à luz da candeia.
Uma vez aí modificava-se completamente,
Jogava à bola com as raparigas e com os rapazes,
Lavava-se no rio e subia às árvores, ciente
De que nem os mais velhos eram mais capazes.
Vencia-os em intrepidez e em agilidade.
Nada lhe metia medo, nem as histórias
De bruxas e de lobisomens, cuja veracidade
Punha em causa. Eram lindas, mas ilusórias.
O que ela mais gostava era de galopar
No seu cavalo por caminhos de terra batida,
Também gostava de o escovar e alimentar,
E ainda de ajudar o avô em toda a lida.
Levantava-se sempre com as galinhas.
Mal a aurora aparecia sonolenta a oriente
E pairava ainda o sossego sobre as casinhas,
A Ana erguia-se da cama sorridente.
A sua beleza e lisura cativavam toda a gente.
Era uma alfacinha que gostava muito da natureza.
O avô em cada ano rejuvenescia de contente.
Com a neta ao pé de si esquecia a tristeza.
Leonel Anjos Neves
Descurtir


Não há magia
Que faça rir a Maria,
Nem condão
Que alegre o João.
São tristinhos
Estes irmãozinhos
Sem eira
Nem beira.
Vivem na rua,
Amizade só a sua,
Amor de ninguém,
Também.
Ver-lhe o sorriso
De novo é preciso.
É preciso dar-lhe um lar
E alguém para amar.
Então
O seu coração
Sorrirá novamente,
Certamente.
Leonel Anjos Neves
Imagem: Google

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