CRIANÇA É LUZ... É PAZ...

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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

HISTORIA DO PASSAFDO...

A minha versão de um conto tradicional que ouvi de meu pai há muitos, muitos anos:
Era uma vez um burro muito velhinho, cansado, sem dentes e manco.
O dono, um velho moleiro de cabelos brancos, como o animal já não pudesse fazer nada, nem mesmo que quisesse, um dia abriu-lhe a porta do curral e disse-lhe comovido: meu amigo, meu companheiro, não consigo ficar contigo, vai-te embora sem demora.
O burro que levara a vida inteira alombar sacos de centeio da aldeia para o moinho, e de farinha do moinho para a aldeia, triste e sem destino, meteu os pés ao caminho.
Andou sozinho durante um dia, cheio de moscas, mordiscando um arbusto aqui, uma planta ali, descansando de vez em quando para recobrar as forças.
Em pleno estio, num local ermo, sedento, valeu-lhe um rio.
Dessedentou-se e refrescou-se e continuou sem saber para onde ia. Andou, andou sob um calor abrasador, arrastando-se como podia.
Encontrou um cão desidratado e faminto deitado no chão poeirento. Parecia morto de tão absorto. Mas quando o cão o viu foi tal a alegria que sentiu que da morte desejada renasceu. Parece que um milagre aconteceu!
Contou então o cão ao burro a razão que o levou àquela situação. A história é triste, começou por dizer, tão triste que só pensava em morrer. Durante muitos anos fui acarinhado e bem alimentado pelos donos. Nessa altura defendia os rebanhos dos lobos de noite e de dia. Mas os anos passaram, envelheci, e aquele amor que sempre recebi, jamais o vi. Um dia deram-me uma malga de caldo e disseram-me, eis o saldo. Nem queria acreditar, uma vida inteira a trabalhar para ser posto na rua de forma nua e crua num piscar de olhos. Desde aí passei fome e sede até chegar aqui.
O burro e o cão tornaram-se amigos e ambos seguiram enfrentando perigos.
Na berma da estrada, cercada de mato, encontraram um pato de papo vazio. Com ele meteram conversa, e ele contou-lhes a sua vida adversa. A dona, perversa, quis fazer dele uma refeição como fez com seu irmão. Um dia ouviu-a dizer que tinha de ser, então ele fugiu e ela nunca mais o viu.
Os três prosseguiram na demanda de um lugar onde morar.
A pastar num lameiro, junto de um outeiro viram uma cabra. Foram ter com ela. Em jovem devia ser bela, mas agora estava velha e de beleza falha.
A sua história era autêntica, idêntica à do burro, do cão e do pato. Meu peito farto alimentou a prol, a criança e o gato. Depois o úbere secou e o destino ditou o resto. Agora não presto para nada por isso fui abandonada, contou com uma lágrima no olho.
Entretanto anoiteceu. Ao longe, bem além, viram uma luzinha, qual estrelinha de Belém a luzir no monte. Os quatro amigos unidos na desgraça, alcançaram-na de madrugada. Era um mosteiro abandonado, sem graça. A luz vinha do interior onde se pressentia clamor humano, talvez o decano, talvez ladrões, talvez um pobre à volta de tições.
Resolveram indagar, mas as portas estavam fechadas e não conseguiam alcançar uma janela. Foi então que o cão teve uma ideia genial, pôr-se-iam em cima uns dos outros até à altura ideal para ver o que estava acontecer dentro do claustro.
O burro, lampeiro, foi o primeiro, depois a cabra e a seguir o cão e por fim o pato que espreitou e viu dois homens e pôs-se à escuta. Um deles dizia: um para mim, um para ti, um para mim, um para ti. E assim dividia o fruto do roubo daquele dia. Farto daquilo, o pato gritou: e pra nós, não há nada!? Ao ouvir aquela voz estranha, os dois homens desataram a correr, a correr, e os quatro amigos passaram ali a viver.
Leonel Anjos Neves

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