JOÃO...

Lia é uma criança velhinha
Que pula e corre e canta e dança.
Desde manhã até à noitinha
Anda nesta andança.

Nenhuma mudança
Nos seus hábitos de infância. A vida,
Diz, só faz sentido se a criança
Continuar viva.
Onde Lia estiver
Não há tristeza nem apatia,
Mas alento e vontade de viver
E muita alegria.
Também não há
Maldade nem hipocrisia,
Nem pactua nem pactuará
Com velhacaria.
Assim é a Lia,
Uma criança de cabelos
Brancos e rugas profundas na pele macia.
Leonel Anjos Neves
Imagem: Google

João é um miúdo traquina,
Destemido e aventureiro,
Ninguém sabe do seu paradeiro
A não ser a sua amiga Marina.

Nem os pais nem os amigos
Sabem que a Marina sabe.
Segredo que a ambos cabe
Manter para evitar castigos.
Um dia João saiu de casa bem cedo
Sem conseguir dizer a Marina para onde ia.
A noite caiu escura como breu, tão escura que não via
O caminho. Pela primeira vez sentiu medo.
Desnorteado e em pânico,
Viu-se rodeado por uma alcateia
Que queria fazer dele suculenta ceia.
Quis gritar, mas estava afónico.
Quis fugir em surdina
Mas tinha os pés colados ao chão,
Tentou levantá-los em vão,
Então lembrou-se de Marina.
Já que vou morrer, pensou,
Vou tocar pela última vez
A música que a Marina fez.
Pegou na flauta e tocou.
Para seu espanto,
Os lobos ficaram extasiados,
Pareciam hipnotizados.
Devia fugir antes que quebrassem o encanto.
Enquanto tocava,
Com muito jeitinho,
Procurou o caminho
E dali se afastava,
Mas a alcateia
Seguiu-o fascinada
Até à entrada
Da sua aldeia.
Aí chegado
Deixou de tocar.
Agora já podia gritar,
Em vez disso, à alcateia disse obrigado.
Leonel Anjos Neves